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Margarida Maria Moura retrata a impiedade de uma passagem, como um êxodo, de uma condição de vida possivelmente irrecuperável a uma outra, onde um difícil equilíbrio fundado nas leis costumeiras da reciprocidade camponesa é invadido por um poder desequilibrador que, ao roubar do homem a sua terra, o desterra não só dela, mas de um tipo de vida experimentada como livre e digna, ainda que pobre. Aquilo – e
não mais do que aquilo – com que sonham por este país afora outros iguais e antigos herdeiros, hoje deserdados.
Há na Antropologia uma indisfarçável vocação de resgate. Perversa ou necessária, ela é uma de suas marcas. Possivelmente cria letrada do colonizador, ela aprendeu afinal a desvelar sentidos da fala do colonizado. No começo, a Antropologia viajou o mundo e substituiu missionários e sábios na busca de “povos estranhos e costumes exóticos”. Sua missão? Revelar, cientificamente, que o ser “estranho” e “exótico” era a essência de uma condição diminuída – isto é, ainda não evoluída como a nossa própria – do ser humano. Algo semelhante ao que se fez aqui com nossos indígenas, pretos e caipiras. Todos humanos sim, mas a caminho de uma viagem longa que o branco letrado e senhor sempre imagina estar completando.
Ao se debruçar não apenas sobre as sociedades tribais, mas também sobre segmentos dos expropriados e desvalidos de nossas próprias sociedades, outras questões inevitavelmente emergiram. Já que não era então possível lidar com uma lógica que rege totalidades de vida e de significação coletiva, mas com lógicas, regras internas de conduta, significados e rituais que expliquem, ao mesmo tempo, a condição subalterna e a resistência à sujeição. Foi então que, ao lado de uma vocação obcecada pela busca da transparência através de uma explicação que toma como ponto de partida “o ponto de vista do outro”, e faz da diferença entre modos de vida a própria condição do conhecimento comparado de possíveis universais, que fazem ser socialmente viável o que há de humano nos homens, a Antropologia também quer ser uma fala “em nome de”.
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